Eleições italianas: um aviso sério à navegação - Henrique Sousa

01-03-2013 01:18

 

 

Os omnipresentes mercados tremem. Os juros da dívida dos países periféricos sobem. As bolsas caem. As lideranças políticas e as instituições europeias não percebem a ingratidão dos italianos que não votaram segundo os seus conselhos (ver os resultados eleitorais aqui).

Não se faz isto ao Monti, apóstolo da austeridade que se sacrificou pela pátria. E o centro-esquerda, que o apoiou na governação e se comprometera com a austeridade, até prometia portar-se mais ou menos bem, não sair da linha e afastar um incómodo Berlusconi que já era uma carta gasta.

Pois é. Mas um povo farto de políticas de austeridade e revoltado com uma representação e um sistema político desacreditados resolveu fazer outras escolhas. E não se diga que foi a abstenção que ganhou. Não foi assim em Itália. Votaram mais de 35 milhões de cidadãos em quase 47 milhões de eleitores registados (75%). Uma participação bem superior à que se vem praticando por cá: 58% nas últimas eleições legislativas.

Partido Democrático e a sua coligação de centro-esquerda Itália.Bem Comum  tiveram 29,5% dos votos e uma queda de 8 pontos percentuais relativamente às anteriores eleições. A segunda força mais votada, a coligação da direita de Berlusconi (o Povo da Liberdade) renasceu sustentada pelo seu monopólio mediático e colheu 29,1% dos votos, embora com uma  queda de 17,7 pontos percentuais na votação. Beppe Grillo e o seu Movimento 5 Estrelas, criado em 2009, colheu um quarto dos votos (8,7 milhões de votantes e 25,5% dos votos) e tornou-se o primeiro partido italiano individualmente considerado em expressão eleitoral - o PD conseguiu isoladamente apenas 25,4% e o partido de Berlusconi sozinho teve 21,6%. Monti e a sua coligação de centro-direita ficaram em quarto lugar, apenas com 10,5% dos votos.

E a esquerda italiana, como está e por onde andou nestas eleições?

Esquerda Ecologia e Liberdade, liderada por Nichi Vendola, que se associou à coligação de centro-esquerda do PD e por isso elegeu 37 deputados, colheu pouco mais de um milhão de votos (3,2%). A Revolução Cidadã, constituída apenas em Dezembro unindo a Itália dos Valores, Partido da Refundação Comunista, o Partido dos Comunistas Italianos, a Federação dos Verdes e o Movimento Laranja, liderada por um juiz prestigiado (Antonio Ingroia), não atingiu o limiar de 4% imposto pela lei eleitoral para eleger deputados e ficou-se pelos 765 000 votos (2,25%). Não foi ainda desta vez que os comunistas voltaram ao parlamento italiano e que recuperaram  as forças perdidas para se afirmarem como parte de uma alternativa credível à esquerda.

Ou seja: está à vista que os italianos não fizeram a escolha clara de uma alternativa política. Mas deram um sinal expressivo nestas eleições da rejeição popular crescente das elites políticas que conduziram o país à degradação do sistema político, à corrupção, ao empobrecimento e à desigualdades actuais. Com doses sucessivas de austeridade e destruição de direitos sociais. Sempre protegendo os privilégios e a fortuna dos mesmos.

Não se reduza porém o Movimento 5 Estrelas de Beppe Grillo a uma episódica manifestação de populismo. Exprime com os seus quase nove milhões de votantes uma vontade de mudança e de ruptura com o caminho que tem sido seguido. Com expressões anti-sindicais, anti-políticas e anti-partidos. Mais eficaz na aglutinação do protesto do que na afirmação de um programa alternativo consistente e credível. Todavia portador de propostas e aspirações populares para levar a sério (ver o seu programa aqui) como a defesa da água como bem público, da escola pública, de um serviço nacional de saúde gratuito e universal, de medidas reais de democracia participativa, de regeneração do sistema político.

O movimento político de Beppe Grillo é um sério aviso às esquerdas e aos sindicatos. Polariza o voto de  protesto contra o fracasso de um Estado capturado pela corrupção e pelos grandes interesses. Joga também o jogo perigoso (por cá também praticado pela direita) de querer substituir as oposições e conflitos de classe e a exploração do trabalho pela divisão em dois blocos sociais - os que estariam instalados nos seus direitos sociais, nos sindicatos e partidos, e os que vivem uma existência precária - querendo assumir-se como representantes destes últimos contra os primeiros. Recusando afirmar-se de direita ou de esquerda, alimenta-se da incapacidade das esquerdas em Itália em produzirem alternativas consistentes, renovadas, credíveis e mobilizadoras ao pântano populista de Berlusconi e ao comando neoliberal da União Europeia.

Tem que ser assim por cá? Não há outro caminho se não este,  além da alternância na austeridade, com ou sem "consciência social"? Houve na Grécia, onde o Syriza conseguiu polarizar  e fazer convergir a maioria das esquerdas, conquistar apoio social e tornar-se a segunda maior força política eleitoral com um programa político alternativo de governação contra a austeridade. Sem que o caminho português tenha que ser uma cópia da estrada grega, também pode haver respostas e futuro do lado das esquerdas por cá.

É mais que tempo, para isso, que se abandonem torres de marfim instaladas e se assuma que os desafios desta crise política, económica e social são maiores do que as forças de cada um e que enfrentá-los exige juntar forças e assumir encargos comuns, não apenas na oposição mas na capacidade assumida de governação. Que é imperativo e urgente a vontade de convergência numa resposta política e programática conjunta que afirme a credibilidade de uma alternativa de governação a esta receita austeritária e à tragédia de um país convertido em protectorado em nome do garrote da dívida. Que iniciativas como o Congresso Democrático das Alternativas, a Iniciativa par a uma Auditoria Cidadã à Dívida Pública e outros projectos cidadãos são para levar a sério na vontade de convergência e de construção de políticas alternativas que exprimem. Que já basta de gerir as diferenças políticas à esquerda como se estivéssemos num estado de normal vida política democrática e não num estado de excepção que nunca enfrentámos em 38 anos de democracia. Nem em Portugal nem na Europa.

The times they are a-changin'como canta Bob Dylan. Todos somos responsáveis por procurar as respostas que impeçam o retrocesso civilizacional em marcha em Portugal e na Europa. Como ele também canta, the answer  my friend is blowin' in the wind

Sem abdicar de convicções e escolhas claras, procuremos então as respostas novas e as alternativas no vento. Nos outros. Na rua. Juntando forças, vontades e ideias. Sem muros. Para que não vença a estratégia do medo que atira cada um para o seu buraco de sobrevivência e à maioria para fora da política e da democracia. E no dia 2 Março lá nos encontraremos para dar força à esperança.

Por Henrique Sousa, membro da ATTAC Portugal

 

Voltar