Comunicado da Direcção da ATTAC sobre o Orçamento de Estado e a Greve Geral
23-11-2010 18:01
Orçamento de Estado 2011: É preciso resistir a esta caminhada para o precipício!
O Orçamento do Estado que, na continuidade dos PECs, o Governo do PS e o PSD cozinharam, com a bênção do Presidente da República, é o caminho para mergulhar Portugal na recessão, em mais desemprego, mais pobreza, mais desigualdade. Em nome do combate ao défice e à dívida e do proclamado objectivo de “acalmar os mercados financeiros”, assenta na repartição profundamente injusta dos sacrifícios, penaliza principalmente o mundo do trabalho e os que menos têm, corta brutalmente os direitos e apoios sociais, evita tocar na finança e nos grandes interesses económicos e não reduz, antes agrava, a profundamente injusta distribuição da riqueza que caracteriza o País e é uma das principais razões do seu atraso.
Que autoridade política e técnica têm os responsáveis pelo plano inclinado da economia e das finanças públicas portuguesas, que durante mais de três décadas têm assegurado a governação do país, num casamento cada vez mais estreito e promíscuo com a grande finança e os grandes negócios, para virem agora pregar a inevitabilidade destas receitas, que se estão a revelar como falhadas em todo o lado (como se vê na Grécia e na Irlanda) ?
Que medidas inevitáveis são estas que apenas estão a servir para renovar os apetites predadores dos especuladores que se escondem por detrás dessa entidade mítica a que chamam “os mercados” e cuja vontade de buscar alimento nas presas mas frágeis nunca para de crescer com esta orientação neoliberal da União Europeia, comandada pelos interesses de grande potência do governo alemão de Merkel (acolitado por Sarkozy e por Cameron), disposto a sacrificar os países periféricos, o próprio euro e a coesão europeia aos interesses da sua banca e das suas empresas exportadoras?
Os PECs falhados e o Orçamento de Estado agora apresentado como receita não são fatais como o destino!
O Orçamento de Estado que PS e PSD se preparam para viabilizar não é o caminho de que Portugal precisa para sair da crise, como defendem os comentadores e analistas de serviço bem pagos, que sempre se enganaram mas nunca têm dúvidas nos remédios de austeridade para a maioria que sempre apregoam.
Enquanto se prevê a queda das receitas do IRC (sobre os lucros) em 2011 para menos 2,7%, as receitas do IRS (sobre os rendimentos do trabalho) vão aumentar 9,9% e todos os que tiverem um rendimento colectável superior a 530 € mensais vão ver agravado o IRS, mas o Governo não tributou a venda pela PT da brasileira Vivo, que poderia ter rendido aos cofres do Estado cerca de 1000 milhões de euros. Haverá um aumento brutal do IVA (permitindo ao Estado arrecadar mais 1000 milhões, tanto quanto poderia ter cobrado à PT), o mais injusto e brutal aumento porque sacrifica todos por igual, mas continuará a não ser exigido à banca que pague os 25% do IRC e o Governo nada faz perante as escandalosas manobras de grandes empresas para anteciparem para este ano o pagamento de dividendos relativos a 2011 (como já anunciaram a PT, a Jerónimo Martins e a Portucel), assim roubando ao Estado centenas de milhões de euros em impostos que deixarão de pagar.
É neste país tão profundamente desigual que a receita PS-PSD para os nossos males tem como eixo principal do OE 2011 a desvalorização dos salários e do trabalho e o mais profundo golpe assestado no exíguo Estado Social tardiamente edificado em Portugal, tudo em nome da competitividade face ao capitalismo global. Como se o retrocesso social e laboral fossem caminho para mais emprego, mais desenvolvimento e mais qualidade de vida.
Dois pesos e duas medidas: fracos com os fortes, fortes com os fracos!
Em nome da compressão da despesa pública, vão ser reduzidos os salários de centenas de milhar de trabalhadores da função pública. Vão ser congeladas as pensões de reforma e agravada a tributação fiscal dos reformados. Estão previstos cortes brutais no orçamento da Saúde, o mais sacrificado (menos 12,8%), na Educação, na Segurança Social e novos cortes no “rendimento mínimo” (-20%), nos abonos de família (-22,1%), nos subsídios de desemprego (-6,9%), na Acção Social (-5,5%). Mas o Governo PS e o PSD continuam a recusar-se a taxar a fuga de capitais para os paraísos fiscais, a aplicar o IRC de 25% aos bancos, a cobrar mais-valias pelas operações bolsistas das SGPS. E não hesitaram em dar o aval do Estado à CGD para enterrar no buraco do BPN 4 600 milhões de euros, que acabarão por ser também pagos pelos contribuintes.
O desemprego já ultrapassa a previsão do Governo para 2011 – os últimos números oficiais referem 10,9%, que de facto, incluindo os que desistiram ou não (procuraram emprego, atinge os 12,9% (721000 desempregados) -, sendo que mais de metade dos desempregados vivem esse drama há mais de um ano. 30% dos trabalhadores têm contratos precários. A pobreza (20% dos portugueses) está a aumentar no país mais desigual da Europa.
Em contraste, se forem consideradas as 14 grandes empresas portuguesas cotadas no PSI-20 da Bolsa de Valores de Lisboa, estas apresentaram lucros globais de 1890 mihões de euros apenas no primeiro semestre deste ano. Nos nove primeiros meses deste ano, os cinco maiores bancos (CGD, BCP, BES, BPI e Santander Totta) apresentaram 1229 milhões de euros de lucros, a EDP 774 milhões, as seguradoras 272 milhões (os maiores lucros dos últimos três anos) e a PT oferece aos accionistas o dividendo mais elevado de todas as grandes empresas na Europa (quase 23% de retorno). Todavia, o IRC cobrado desceu, segundo números oficiais, 2,7%, enquanto a fuga de capitais portugueses para os paraísos fiscais aumentou 14% no ano passado, estando aí depositados pelo menos 17 000 milhões de euros que certamente reduziriam bastante as necessidades de Portugal quanto a financiamento externo, público e privado.
É preciso não vergar perante a chantagem e as ameaças do discurso dos poderosos!
A chantagem a que diariamente estamos sujeitos pelos governantes, pelo poder económico-financeiro e pelos seus comentadores e analistas de serviço de que ou este Orçamento 2011 passa ou sofremos o dilúvio, de que não existe alternativa, exige uma resposta e uma oposição firmes. Como não podemos ceder à voz grossa dos grandes patrões da finança e dos interesses que, sempre prontos a sacar apoios e dinheiros do Estado e a transferirem o risco para este (veja-se o escândalo das parcerias público-privadas), agora vêm para os média ameaçar que, se lhes tocam nos desmesurados privilégios e fortuna, vão investir para outro lado.
Que moral e que credibilidade merecem os que agora nos sujeitam a esta ladainha, quando são os mesmos que há cerca de três décadas nos pregam sempre o caminho da austeridade e do sacrifício em nome de um futuro que nunca chegou, e que conduziu o País a este desgraçado estado para benefício duma minoria? Como se atrevem agora a declarar que não há alternativa às suas receitas, quando estas são forjadas por um bloco central de interesses em que ministros e administradores de empresas se vão revezando e trocando lugares e favores à custa da maioria, num casamento promíscuo e escandaloso entre poder político e grandes negócios?
Porque recusa o Governo debater as medidas alternativas propostas?
Porque continuam PS e PSD a assobiar para o lado relativamente a numerosas medidas que partidos à esquerda (BE e PCP), sindicatos, movimentos sociais, economistas e outros cientistas sociais (não os que têm assento regular nas televisões), têm proposto, são exequíveis, e permitiriam uma mais justa e equitativa repartição de sacrifícios e de rendimentos e permitiriam abrir caminho à recuperação sustentada da economia e do emprego?
Apenas lembramos aqui algumas dessas medidas de que PS, PSD e os grandes interesses económicos têm fugido como o diabo da cruz:
- Tributação das transferências de capitais para os paraísos fiscais;
- Tributação das mais-valias bolsistas das SGPS;
- Imposto especial sobre os lucros das grandes empresas e taxação especial das grandes fortunas e dos mais elevados rendimentos;
- Simplificação da fiscalidade sobre os rendimentos do trabalho e redução das deduções fiscais apenas às socialmente justificáveis, como com as relativas a despesas com saúde ou educação;
- Tributação da operação de venda pela PT da brasileira Vivo (só esta tributação poderia render cerca de 1000 milhões de euros);
- Medidas legais para impedir as operações ditas de “planeamento fiscal” com que empresas querem antecipar distribuição de dividendos e fugir ao pagamento de impostos (lembramos que em 2008, dois terços das empresas não pagaram sequer IRC);
- Auditorias rigorosas a institutos, fundações, empresas municipais, para verificação da sua gestão, finalidades e utilidade;
- Corte das consultorias jurídicas pela melhor utilização dos recursos do Estado;
- Reavaliação e renegociação das parcerias público-privadas com que os Governos do PS e do PSD (desde Cavaco Silva) oneraram a despesa pública do Estado em cerca de 50 000 milhões de euros até e fim da utilização deste modelo de investimento em que o Estado (os contribuintes) marca com a responsabilidade dos prejuízos e o capital privado tem lucros garantidos ;
- Aplicação efectiva do “orçamento de base zero” em todos os serviços da Administração Público, como modelo de elaboração do Orçamento de Estado;
- Defesa firme pelo Governo português de a União Europeia emitir títulos de divida pública para apoiar os países com economias mais frágeis e a possibilidade de o BCE financiar directamente a dívida publica dos Estados-membros, em vez de os obrigar a ir ao mercado bancário pagar empréstimos a juros muito mais elevados, enquanto os bancos podem endividar-se junto do BCE a taxas mais baixas.
Existem, pois, alternativas. Exigem, porém, outra orientação, outro orçamento, outros actores políticos, outras medidas. Que não fujam à necessidade de reparar as consequências dos erros da governação passada, respondendo ao problema do défice e da dívida.
Mas com políticas que assegurem o apoio à economia real e não a submissão ao capital financeiro que a tem sugado. Que garantam uma distribuição equitativa dos sacrifícios, o que significa mais justiça fiscal e fazer pagar mais o capital financeiro e os grandes negócios e fortunas, e não os que trabalham e os que pouco ou nada têm. Que protejam o Estado Social e a sua sustentabilidade, a qualidade e a gestão rigorosas dos serviços públicos, como elementos essenciais para o presente e para o futuro de uma sociedade mais democrática e menos desigual através das suas políticas redistributivas, recusando o retrocesso civilizacional para lógicas assistencialistas e caritativas. Que exijam uma mudança de rumo da União Europeia, cortando com a lógica neoliberal que está a ameaçar seriamente o seu futuro como projecto de coesão política e social no espaço europeu.
Greve Geral, Sim! Este Orçamento de Estado, Não!
A Greve Geral convocada pela CGTP e pela UGT para o dia 24 de Novembro constitui uma grande afirmação colectiva de que os trabalhadores e todos quantos estão a ser espezinhados nos seus direitos e nas suas vidas por esta aliança dos poderosos estão determinados a exigir que os seus direitos sejam parte da política futura.
Uma poderosa demonstração de que não estão dispostos a ser continuadamente a carne para canhão de que se alimenta o apetite insaciável e predador da grande finança e dos grandes interesses económicos, que querem transformar a profunda crise de que são causadores em oportunidade de acumulação de mais riqueza através do agravamento da pobreza, das desigualdades e da desvalorização do trabalho.
Um protesto massivo contra os que querem responder aos problemas do país através das receitas neoliberais que romperam o compromisso social em que se fundaram as democracias liberais do pós-guerra na Europa (e que em Portugal foi mais tardiamente assumido após a queda do fascismo) e fazendo regredir o trabalho, o salário e os direitos sociais para assegurarem a acumulação e a reprodução do grande capital financeiro e da economia de casino global, não hesitando em sacrificar a economia real, os recursos naturais e em agravar a pobreza e as desigualdades.
A Greve Geral de 24 de Novembro será certamente uma afirmação massiva do mundo do trabalho, com a solidariedade activa dos desempregados, reformados, humilhados e ofendidos deste país, de que existem alternativas e que um mundo melhor e mais justo é possível.
A ATTAC Portugal está com a Greve Geral e acredita que ela constituirá uma semente de futuro para alimentar o empenhamento e a participação solidários no combate por outra política e outro rumo para as nossas vidas!
Lisboa, 22 de Novembro de 2010.
A Direcção da ATTAC Portugal
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