A gente vai continuar - Henrique Sousa
07-11-2011 00:32
A Direcção do PS acaba de manifestar a sua irrelevância para a oposição política e social à governação actual. A decisão agora tomada de abstenção quanto à votação na generalidade do Orçamento de Estado mais destrutivo e anti-social desde o 25 de Abril, com o objectivo confessado de empobrecimento declarado do país e de conversão de Portugal num protectorado do casal Merkozy, retira ao PS capacidade de manobra e de pressão até para negociar eficazmente com a maioria as pindéricas propostas de pormenor que publicitou e com que pretende, no debate parlamentar na especialidade, disfarçar aquilo que fica cada vez mais à vista de todos:
A falta de comparência do PS nos trabalhos da oposição, que não certamente de muitos socialistas, a sua rendição ao dogma ultraliberal de que "não há alternativa", e a sua escolha de continuar refém do "centrão". O que empobrece e enfraquece a democracia, porque fragiliza a produção e o confronto de alternativas políticas que canalizem e exprimam o conflito social.
Mesmo considerando as culpas pesadas que o PS carrega quanto aos males actuais do país e o seu comprometimento no programa da troika, que pode justificar a decisão táctica de afirmarem desde já o seu apoio disfarçado a um orçamento que vai muito mais além, através desta abstenção? Como conciliam isso com a apresentação de algumas propostas na especialidade com que pretendem amenizar a dureza dos cortes anti-sociais previstos, e quando está em marcha a preparação de uma greve geral convocada conjuntamente pela CGTP e pela UGT tendo por causa primeira as medidas do Orçamento de Estado? Não é uma evidência que assim estão a fragilizar a capacidade negocial e de pressão sobre o PSD para que recue e negoceie na especialidade as medidas mais gravosas? Não é o mesmo que dizer ao Governo "estejam descansados, que isto é só para calar o pagode e a nossa má consciência"?
Mesmo no contexto das erráticas, cúmplices e equívocas posições do PS na actual crise, não seria mais eficaz que votassem agora contra na generalidade, para alargar o espaço de manobra e de negociação na especialidade e para que, com suporte no movimento de protesto social e laboral em curso e em convergência com a restante oposição, pudessem conseguir algum recuo da maioria de direita, reservando o seu voto definitivo para a votação global e final do Orçamento de Estado?
O PS vem assim dizer-nos que, excepto nos detalhes (que neste caso não são o diabo), estaria disponível para fazer no governo o mesmo que o PSD/CDS, que não tem alternativa política para oferecer aos portugueses nem quer ser parte da sua construção, que escolhe navegar nas mesmas águas da actual maioria e aspira a ser mais adiante parte de um governo de bloco central travestido de governo de salvação nacional. Tudo devidamente embrulhado no discurso respeitável e politicamente correcto da "responsabilidade", da "coesão nacional" e do "interesse nacional", e alimentado das cumplicidades e reuniões privadas de Seguro e Passos Coelho. Sem que publicamente o PS se deixe de queixar amargamente de ser maltratado e desconsiderado pela maioria governativa, assim substituindo compensando a fuga a discordâncias de fundo pelas discórdias na forma com que nos quer entreter.
Mas o conflito, a oposição e o movimento social contra este rumo político que pretende submeter por inteiro os povos, a política e a democracia aos criminosos mercados financeiros em rédea, não param por esta falta de comparência do PS.
Como canta Jorge Palma, "a gente vai continuar". Com a "raiva a nascer-nos nos dentes", como diz Sérgio Godinho. A converter a indignação e a cólera em energia positiva e a investi-la na busca da luz ao fundo do túnel e na construção de alternativas de esperança. Para que o cifrão não escravize e comande as nossas vidas.
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