Garantir ou não o serviço público de televisão? A privatização da RTP (V) - Frederico Pinheiro

17-09-2012 01:46

Enquanto o Governo dá como encerrada a discussão em torno da venda da RTP, os trabalhadores saem à rua em protesto e os debates sucedem-se. Publico aqui uma série de textos, de modo a tentar dar o meu contributo para o debate. As referências bibliográficas encontram-se no último texto.

Este é o quinto texto.

 

Os restantes encontram-se aqui: O capital privado é mais livre do que o público?O contrato de serviço público de televisãoo cumprimento do contrato de serviço público de televisãoo que deve ser o contrato de serviço públicoum instrumento demasiado poderoso para os privadossugestões para a melhoria da sustentabilidade financeira

 

V

 

No nosso entendimento, o serviço público de televisão é indispensável como garantia de uma sociedade devidamente esclarecida e informada, pilares fundamentais dos sistemas democráticos. O estabelecimento de um contrato de serviço público de televisão ganha uma importância acrescida num país no qual mais de 75% das audiências televisivas estão concentradas nos canais que operam sem qualquer obrigação contratualizada com o Estado. Referimo-nos aos canais que emitem em sinal aberto (SIC e TVI) e aos canais do cabo, com um peso crescente. No nosso entendimento, é vantajoso para o público a manutenção no panorama dos media portugueses de um agente que atua de acordo com uma lógica diferente. Uma lógica de serviço público, que emana da própria sociedade civil, que é definida através da consulta a diversos intervenientes: governo eleito, administração da empresa em questão, jornalistas e trabalhadores da empresa, organizações da sociedade civil. Pese embora alguns constrangimentos que este tipo de estrutura possa implicar, consideramos que as obrigações do serviço público de televisão são influenciadas por um leque mais alargado de sensibilidades, espelhando de forma mais correta a sociedade. Nesse sentido, constitui um instrumento plural, com preocupações sociais e com objectivos de médio e longo prazo. Outra das suas características mais relevante é a garantia da universalidade: é um instrumento de todos para todos.

 

Ainda que não queiramos estabelecer nenhuma dicotomia simplista, de acordo com a nossa análise, o conjunto de preocupações acima elencadas não faz parte da natureza dos restantes operadores presentes no panorama televisivo português. Os canais sem obrigações contratualizadas operam, no nosso entendimento, no 'mercado livre'. Aqui, para garantirem níveis sustentáveis de receitas financeiras, a competição entre os operadores por altos níveis de audiência é constante. Esta característica leva a que os operadores recorram a programação extremamente popular e sensacionalista. A programação de gosto fácil é a garantia de níveis elevados de audiência, logo, é garantia de importantes encaixes em receitas publicitárias.

 

Apenas o estabelecimento de um contrato de serviço público de televisão pode forçar os operadores a afastarem-se de uma orientação de mercado, que não garante nem a pluralidade, nem a diversidade nos conteúdos programáticos. O serviço público deve salvaguardar um debate democrático, uma informação plural e o respeito pelos direitos de cidadania, designadamente das minorias, contribuindo para a sua integração social através da transmissão de mensagens adequadas. O principal objetivo do serviço público de televisão é o mais amplo esclarecimento e, consequentemente, contribuir para a formação geral dos diversos estratos da população. Já os operadores no mercado livre no nosso país têm como objetivo principal o lucro e a distribuição de dividendos pelos acionistas das empresas em questão. A título de exemplo, as empresas Impresa e Media Capital, os dois principais grupos de comunicação social privados a operarem em Portugal, são ambos cotados na bolsa de valores. 

 

Frederico Pinheiro, membro da direcção da ATTAC Portugal

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