Greve Geral: Valeu a pena - Henrique de Sousa

25-11-2011 10:00

"Foi a maior Greve Geral de sempre. Trabalhadores, dos sectores público e privado, identificados com os objectivos da luta e empenhados na procura de alternativas e na construção de um projecto para o país, demonstraram hoje a sua indignação e o seu protesto pelo brutal ataque que o governo e agentes estrangeiros estão a fazer aos seus direitos, à democracia e à liberdade." Palavras dos dirigentes sindicais da CGTP-IN e da UGT no balanço feito na conferência de imprensa em que fizeram o balanço desta jornada de resistência e de protesto social.

Greve geral que teve duas importantes novidades: (1) as manifestações sindicais que trouxeram a greve geral para a rua pela primeira vez nas principais cidades do país e que, em Lisboa, (2) convergiram com uma poderosa manifestação de outros movimentos sociais, estudantes e movimentos de trabalhadores precários. Dando testemunho na rua de uma aliança de gerações. conduzindo à fusão, frente à Assembleia da República em Lisboa, dos trabalhadores permanentes, dos activistas dos piquetes de greve e dos sindicalistas, com milhares de jovens que combatem por exigir um futuro no seu país. Sinal e presságio da grande plataforma social que é preciso erguer.

A ópera bufa montada pelo Governo e acólitos, ao longo do dia da greve, procurando ridicularizar e minimizar sem sucesso a sua real dimensão, resulta por isso mais chocante e ofensiva da dignidade das muitas centenas de milhar de trabalhadores que ousaram lutar e dar o corpo ao manifesto aderindo à greve, .

O inevitável Relvas começou logo de manhã por anunciar alegremente que na administração pública haveria uma adesão de 3, 6%, num total de 12 800 trabalhadores aderentes e 112 serviços encerrados, sempre declarando hipocritamente que não queriam entrar na guerra dos números. Nessa altura, só escolas encerradas na região de Lisboa estavam já identificadas e listadas pelo SPGL na sua página web cerca de trezentas. Em novo balanço às 17.30, lá veio o Governo reconhecer que havia uma adesão de 10,5 % e cerca de 43 000 trabalhadores grevistas na função pública, com 296 estabelecimentos encerrados (só escolas, no país, encerraram mais). Então, 43 000 foram suficientes para tamanho impacto na vida e no funcionamento do país? Não se enxergam, nem vêm o ridículo em que se colocam?

Fica um enorme mistério para resolver: se foi tão baixo o número de aderentes na administração pública e se no sector privado não houve greve, como também proclamaram, , então de onde sairam tantos grevistas para paralisar esmagadoramente os transportes colectivos públicos e privados, os portos, os aeroportos, escolas, tribunais, repartições, hospitais e outros serviços de saúde, na AutoEuropa e no Parque Industrial de Palmela, na Tabaqueira, Saint-Gobain (Ex-Covina), Estaleiros Navais de V. Castelo, Lisnave, indústria corticeira (sim, incluindo no Amorim), Galp, Arsenal do Alfeite, Secil, Renaull Cacia, Centralcer, Vista Alegre, etc., nuns casos com completo encerramento, noutros assegurando serviços mínimos ou com forte adesão dos trabalhadores? De onde sairam os muitos e muitos milhares de manifestantes que, pelos seus meios próprios e sem transportes públicos, desfilaram em Lisboa até à Assembleia da República numa impressionante demonstração?

O empolamento e associação mediática à greve geral de actos localizados de vandalismo contra três repartições das Finanças em Lisboa, e de um incidente limitado junto á Assembleia da República, já depois da desmobilização da manifestação sindical, ilustram também como alguns teriam desejado que o rastilho da provocação ensombrasse e diminuísse o impacto da greve geral e fosse pretexto para futuras intervenções mais musculadas contra o movimento social e os trabalhadores. Sem sucesso.

Aderiram então todos os trabalhadores à greve geral? Não, certamente. O desemprego, a precariedade, o medo da crise, a resignação, o conformismo e o sentimento de culpa colectiva inoculados pelo poder político e económico em doses cavalares na sociedade portuguesa, são ainda poderosos obstáculos à mobilização social de todo o mundo do trabalho e ao exercício cidadão de uma democracia activa.

Mas foram muitos os que neste dia levantaram a cabeça e disseram presente. E milhões os que foram envolvidos, exerceram o direito de greve ou estiveram activamente solidários com ela. O que é uma mensagem demasiado forte para que poder político e poder económico possam ignorar a mensagem, mesmo que em público queiram assobiar para o lado.

Foi a demonstração massiva na hora certa de que estão a crescer e a convergir as forças sociais capazes de derrotar e inverter a caminhada para o abismo a que nos conduz a espiral de austeridade, recessão e empobrecimento que constitui a receita governativa e da troika. Ironia, ou farsa trágica, a agência de rating Fitch, neste mesmo dia, baixou a classificação do crédito a Portugal para o nível do lixo. Invocando como fundamento o comportamento recessivo da economia portuguesa e o agravamento da dívida, que são consequência exacta do programa de austeridade e empobrecimento do País posto em marcha como receita para acalmar os mercados.

Mudar de rumo, disse a greve geral. Agora, é preciso saber ler os sinais e as lições, colher os frutos desta grande mobilização social e pensar o dia seguinte. Não perder a unidade de acção do conjunto do movimento sindical e a convergência e diálogo com os outros movimentos sociais como chaves de futuro. E a urgência de o PS abandonar a sua falta de comparência na oposição e o silêncio comprometedor da sua direcção sobre o mundo do trabalho e a greve geral, em contraste gritante com as outras forças de esquerda. A caminhada apenas começou.

Henrique de Sousa, membro da direcção da ATTAC Portugal

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