O capital privado é mais livre do que o público? A privatização da RTP (I) - Frederico Pinheiro
17-09-2012 01:20Enquanto o Governo dá como encerrada a discussão em torno da venda da RTP, os trabalhadores saem à rua em protesto e os debates sucedem-se. Publico aqui uma série de textos, de modo a tentar dar o meu contributo para o debate. As referências bibliográficas estão no último texto.
Este é o primeiro texto.
Os restantes estão aqui: O contrato de serviço público de televisão; o cumprimento do contrato de serviço público de televisão; o que deve ser o contrato de serviço público; garantir ou não o serviço público de televisão; um instrumento demasiado poderoso para os privados; sugestões para a melhoria da sustentabilidade financeira
I
Este ano cumprem-se dez anos desde que o tema da privatização da RTP foi colocado em cima da mesa por um Governo. Em 2002, o recém-eleito Governo PSD/CDS, liderado por Durão Barroso, avançou com a proposta. Apesar da hipótese da saída do Estado do sector da comunicação social ter esmorecido, o debate continuou nos últimos anos. Ganhou mesmo nova força desde o ano passado quando, após a primeira revisão do Memorando de Entendimento de Assistência Financeira EU / FMI 2011 – 2014 a Portugal, o Governo eleito em Junho decidiu incluir a RTP no plano de privatizações. “We have also decided to include Águas de Portugal and RTP in privatization by end-2012 in addition to enterprises identified for sale under the broader strategy of comprehensive SOE restructuring” (IMF, 2011, p.42).
Para cumprirem este objectivo, os representantes governamentais foram referindo diversas estratégias para cumprir a promessa feita ao Fundo Monetário Internacional (FMI): vender apenas um canal, vender um e fechar o outro ou até mesmo fundir os dois canais de televisão de serviço público em sinal aberto (RTP1 e RTP2). No entanto, iremos fundar a nossa análise nas posições gravadas nos documentos oficiais, isto é, apenas na intenção e na estratégia de privatizar a RTP, sem dissecar a forma ou o modelo de privatização adoptado.
Tendo em conta o contexto económico e financeiro actual, consideramos importante reflectir sobre esta decisão que irá tornar Portugal no único país da Europa a 15, para além do Luxemburgo - e este por razões de escala – sem televisão pública (Sanchéz-Tabernerro e Artero, 2008). No entanto, o nosso objectivo vai muito além de discutir a estrutura accionista do operador público. Pretendemos, por outro lado, reflectir sobre o serviço público de televisão em Portugal, abordando o seu estado actual e o que deve ser melhorado. A avaliação do serviço público de televisão Em Portugal é o nosso objecto.
De modo a limitarmos a nossa análise, vamo-nos focar no serviço público de televisão em sinal aberto. De referir que o serviço público de comunicação social inclui ainda três estações de rádio, uma agência de notícias e canais de televisão no cabo (RTP Internacional, RTP Memória, RTP África, RTP Notícias e ainda a RTP Açores e RTP Madeira). A escolha pelo objecto de análise prende-se com o facto de tanto a RTP1 como a RTP2 constituírem os meios de comunicação mais presentes e próximos da grande maioria dos cidadãos em Portugal e também devido ao facto de estes canais absorverem 60% das verbas entregues pelos contribuintes ao sector da comunicação social público (Acordo Complementar, 2008).
Perceber em que medida o Estado deve manter a sua presença no sector da comunicação social, nomeadamente através das políticas públicas que tem dedicado ao sector, é o nosso principal objectivo.
Frederico Pinheiro, membro da direcção da ATTAC Portugal
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