Profundo pesar pela morte do ativista Vítor Santos

20-08-2014 17:11

Morreu o Vítor Santos. Partiu prematuramente, aos 70 anos de idade, após enfrentar com exemplar coragem uma doença dolorosa e prolongada. Activista social e político generoso e empenhado, sempre insubmisso e indignado contra as injustiças, sempre do lado dos “de baixo”. Os corpos sociais da ATTAC Portugal expressam o seu profundo pesar pela morte do nosso amigo e camarada Vítor Santos.

Era membro da ATTAC, dinamizou na nossa associação um grupo de trabalho para a paz e participou na sua Direcção eleita em 2008. Foi sindicalista e um qualificado profissional na sua área (era desenhador projectista), lutador antifascista, activo e destacado militante comunista, construtor e um dos dirigentes históricos da Festa do Ávante. Foi um dos fundadores e promotores do Movimento Não Apaguem a Memória e da Comissão Nacional de Apoio ao Tribunal Russell sobre a Palestina. Um dos organizadores de sempre do espaço de encontro plural que têm sido os jantares “Em Abril, Esperanças Mil” e um activo apoiante do Congresso Democrático das Alternativas. Nos últimos anos, foi técnico do SPGL, onde deu um qualificado apoio a inúmeras iniciativas e manifestações sindicais, além da animação do seu espaço de artes plásticas, de que era um qualificado conhecedor.

Exemplo da sua maneira de ser e de estar em variadas situações em que se impunha a exigência moral da resistência e do protesto e a iniciativa cidadã, foi a campanha em que se empenhou contra a guerra de agressão no Iraque, no âmbito da ATTAC, concebendo e produzindo pessoalmente, em sua casa, um numeroso conjunto de faixas de denúncia e protesto, que foi também pessoalmente instalar nos viadutos da IC19, entre Lisboa e Sintra, tamanha era a sua indignação com os crimes da agressão imperial americana e dos seus lacaios na Europa e em Portugal.

Intervenção feita por Henrique Sousa no funeral de Vítor Santos – Cemitério de Barcarena, 17 Agosto 2014

O Vítor Santos, amigo e camarada com quem tive o privilégio de partilhar alegrias e tristezas, interrogações, combates e projectos de incerto destino, fez quatro pedidos ainda em vida, para serem cumpridos na sua partida: uma bandeira vermelha; a audição colectiva da canção “Gracias a la Vida”; que os amigos celebrassem a sua memória com o pão e o vinho da fraternidade e do convívio; e que eu dissesse algumas palavras.

Aqui estamos para em conjunto celebrarmos a sua vida e a sua memória, inconformados com a sua partida prematura aos 70 anos, quando a sua experiência, energias e saberes tanto falta nos faziam ainda na nossa caminhada comum. Corajoso e determinado tanto na aventura da vida como no modo como enfrentou a doença e o fim, tendo sempre ao seu lado uma extraordinária e igualmente corajosa companheira, a Ana.

Não terei a pretensão de resumir nalgumas palavras, aqui e agora, uma vida inteira, rica e variada, como foi a do Vítor. Procurarei tão só partilhar e lembrar uma fracção significativa daquilo que familiares e amigos dele conheceram e valorizaram.

O Vítor Santos foi um dos seres humanos mais generosos, solidários, autênticos e leais que conheci. Com ele tive o privilégio de aprender muito e de partilhar uma verdadeira e duradoura amizade. Viveu intensamente e intensamente se empenhou nas causas que abraçou. É um daqueles que, aos meus filhos como aos meus netos, sempre lembrarei como uma das minhas referências mais fortes sobre o melhor que somos enquanto humanos.

Não foi certamente uma figura mediática. Nem constará provavelmente dos livros de história. Mas faz parte daquele exército dos que dão tudo de si em prol da libertação dos homens sem nada exigirem em troca. Sem os quais a marcha dos humilhados e ofendidos pela sua dignidade não poderia progredir e ganhar sentido.

É a memória de pessoas assim, como o Vítor, que precisamos de incorporar na nossa história colectiva e na nossa caminhada, para que nos ajudem a iluminar a estrada e o sentido e nos fortaleçam a crença e a esperança num mundo melhor e numa sociedade mais decente.

Falar do Vítor é lembrar o trabalhador qualificado (era desenhador projectista), responsável, qualificado e exigente que sempre foi, o camarada de trabalho leal e solidário, dos tempos da Sorefame ao tempo em que por inteiro se entregou como revolucionário profissional – conceito hoje estranho para muitos, mas que fez todo o sentido no seu caso – ao PCP, até aos últimos anos de vida, em que encontrou no SPGL – Sindicato dos Professores da Grande Lisboa, uma outra casa e um outro modo de continuar a servir os trabalhadores e as suas causas.

Falar do nosso amigo Vítor é lembrar uma vida de intensas, múltiplas e variadas experiências. Homem de cultura e conhecimento fora do comum, não de saber académico, mas de uma sabedoria construída na permanente vontade de ler, de praticar, de descobrir, de questionar, de interrogar e procurar respostas e a compreensão do mundo e das pessoas. Por isso mesmo os seus saberes e centros de interesse foram diversos, dos trabalhos e artes manuais ao fascínio pelas artes plásticas, pelas ciências e pelas técnicas. Sempre, sempre procurando partilhar saberes e aprendizagens e procurando encontrar soluções para problemas. E sempre partilhando histórias e experiências de vida com amigos e companheiros de trabalho, como grande e genuíno contador de histórias que foi.

O Vítor fez uma dura e exigente aprendizagem do que é a aventura da vida e do crescimento. Nas guerras coloniais, na fábrica, na sociedade, nas privações materiais. Conheceu, sofreu e indignou-se coma exploração, a dominação e a humilhação dos homens por outros homens. E foi assim que formou a personalidade generosa, solidária, leal e combativa que lhe reconhecemos.

Foi activista social e político, sempre empenhado, sempre insubmisso contra as injustiças, os males e as opressões no mundo. Sempre do lado dos “de baixo”. Lutador antifascista. Sindicalista no seu sector profissional, os técnicos de desenho. Destacado militante comunista e um dos mais qualificados construtores e dirigentes históricos da Festa do Avante! Sempre cidadão de convicções e de valores. Todavia, e quando foi preciso, a sua vontade de interrogar e de compreender as mudanças permitiu-lhe também não ficar prisioneiro de certezas cristalizadas e de becos sem saída. Por isso, permanecendo comunista e nunca traindo as convicções e os ideais que escolheu, soube igualmente fazer escolhas pessoais difíceis na sua vida e na sua intervenção política. Não hesitando em procurar rumos novos para a libertação dos trabalhadores a que dedicou o melhor da sua vida. Sempre sem azedumes nem rancores.

Nos últimos anos, empenhou-se fortemente no desenvolvimento do activismo social e no trabalho de construção de unidades e convergências. Foi membro e dirigente da ATTAC. Esteve na fundação do Movimento Não Apaguem a Memória. Foi um dos promotores da Comissão Nacional de Apoio ao Tribunal Russell sobre a Palestina. Foi activo apoiante dos esforços de diálogo e convergência à esquerda do Congresso Democrático das Alternativas. Foi um dos organizadores desde a primeira hora do espaço de encontro e convívio plural que são os jantares anuais “Em Abril, Esperanças Mil”.

Não resisto a lembrar aqui uma pequena história que define o seu modo de estar e de intervir. Quando da guerra de agressão contra o Iraque, o Vítor, com a Ana, decidiram conceber e produzir em sua casa muitas faixas criativas de protesto que foram colocar nos viadutos, por toda a IC 19, entre Lisboa e Sintra. Era assim o Vítor Santos. Não esperou por decisões ou orientações. Tomou a iniciativa e agiu como cidadão indignado e solidário.

Agora que partiu um dos mais generosos e solidários seres humanos que conheci, apenas posso desejar que de cada um de nós também possa um dia ser dito, na hora da nossa partida, aquilo que com segurança podemos afirmar do Vítor Santos: no deve e no haver do seu contributo para a humanidade e para o mundo, no balanço dos defeitos e qualidades, o saldo é imensamente positivo. E como valeu a pena a sua vida cheia!

São decerto bem aplicadas ao Vítor Santos as palavras de um destacado oposicionista à ditadura do Estado Novo, Mário Sacramento, que terminou a sua carta-testamento assim: Façam o mundo melhor, ouviram? Não me obriguem a voltar cá!

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