Tomada de posição sobre o Programa de Estabilidade e Crescimento

26-03-2010 14:03

 

A Europa e a crise

O turbilhão de impactos sociais e económicos, de que o aumento generalizado do desemprego e a degradação das condições de vida são a expressão mais dramática, aliado às sucessivas opções da União Europeia (presumivelmente para enfrentar a actual crise económica e financeira) têm permitido revelar, progressivamente, a verdadeira génese da situação que vivemos.

Como um nevoeiro que se dissipa, deixando antever o que causa afinal a tempestade, surgem aos olhos de todos, com uma nitidez cada vez mais cristalina, as razões estruturais e políticas da crise. A evidência de não estarmos, simplesmente, perante uma anomalia passageira no regular funcionamento da vida económica e social, mas antes confrontados com a retumbante falência do modelo em que tem sido assente a construção política e a integração económica europeia, nos últimos vinte a trinta anos, é cada vez mais inquestionável.

O que nos conduziu até à presente crise foi, de facto, todo um modelo ideológico de organização das estruturas políticas, sociais e económicas, sistematicamente apresentado não só como “o único caminho possível”, mas igualmente como o rumo natural e desejável de uma Europa que se pretendia moderna, próspera e competitiva. Nos pilares deste modelo encontramos a erosão sistemática do papel do Estado na economia e dos mecanismos de protecção social pública (fundada na alegada superioridade do mercado, em matéria de eficiência, e na necessidade imperiosa de redução dos défices públicos); a dissolução progressiva dos mecanismos públicos de regulação, tendo em vista desobstruir a circulação de capitais e a crescente financeirização das economias; e, em terceiro lugar, a criação e consolidação de estruturas de governação exteriores à racionalidade da esfera pública, fundadas numa suposta necessidade de redução das decisões aos seus fundamentos “científicos” e, portanto, democraticamente despolitizadas.

A progressiva perda de capacidade própria e influência directa do Estado sobre as economias e as sociedades, tanto em matéria de investimento público, direitos sociais (educação, saúde, protecção social) e capacidade de regulação, constituem o reverso paralelo da avassaladora vertigem de liberalização prosseguida nas últimas décadas, devendo sublinhar-se o facto de, neste processo, a União Europeia e a generalidade dos governos europeus se assumirem enquanto agentes activos e determinados na conversão do Estado em instrumento institucional ao serviço do mercado e da sua expansão.

 

O PEC Português

O Programa de Estabilidade e Crescimento português é mais do mesmo: Antigas receitas de austeridade quando necessitamos de novas respostas que, tanto no país como na Europa, apontem para uma nova política económica e para uma nova arquitectura institucional, capaz de promover o emprego, o ambiente, a justiça social e a democracia em todas as suas vertentes.

As medidas positivas previstas – da taxação das mais-valias à redução dos regressivos benefícios fiscais, passando pela criação de um novo escalão de IRS – não são suficientes para entusiasmar a ATTAC, perante a manifesta falta de coragem para exigir ao sector financeiro (o grande beneficiário do apoio público) e aos grupos sociais mais privilegiados que contribuam para a resolução da crise. 

Há muitas formas de reduzir o défice. É necessário proceder a uma profunda reforma fiscal, coordenada à escala europeia, que reforce a progressividade do sistema, taxe as grandes fortunas e rendimentos e que desencoraje a especulação financeira, através da adopção de uma taxa Tobin, e elimine os off-shores.

Ao mesmo tempo é necessário desenhar políticas à escala europeia de crescimento e de emprego, que passam pela redução das desigualdades sociais e regionais na UE, pelo alargamento do mercado interno, nomeadamente nos países mais pobres da Europa, e pela protecção comercial contra os países que não respeitem as regras ambientais e laborais mais elementares.

Por outro lado, o plano de privatizações previsto no do PEC é absolutamente inaceitável, nomeadamente no que diz respeito às privatizações previstas na área dos seguros (mais um “piscar de olho” à finança privada), da energia e dos CTT.

As privatizações degradam a democracia, atacam o serviço público, para além de significarem mais uma retirada brusca do Estado da Economia, limitando cada vez mais as possibilidades de intervenção com vista ao bem comum Estas privatizações são economicamente prejudiciais, pois as receitas extraordinárias conseguidas à custa da venda de activos que são de todos, não compensam no médio prazo a perda de dividendos que esses activos geram.

A ATTAC Portugal está assim empenhada em dar o seu contributo para a mobilização nacional contra este programa de privatizações e lançará em breve uma campanha própria nesse sentido.

Direcção da ATTAC Portugal

25 de Março de 2010

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