Uma proposta para uma reforma monetária internacional - Um dos textos fundadores de James Tobin (1978)

Ao longo dos últimos vinte anos, as prescrições dos economistas para a reforma do sistema monetário internacional tomaram diversas formas. A sua premissa comum era a de insatisfação com o regime Bretton Woods à medida que evoluía nos anos 50. Robert Triffin despertou o mundo para as contradições e instabilidades do sistema das paridades indexadas que se baseia nas dívidas da moeda de reserva, maioritariamente dólares, para corresponder às necessidades crescentes para as reservas oficiais. Triffin e os seus seguidores consideraram que a resposta era a internacionalização das reservas e ativos de reserva; a solução a que chegaram foi um banco central mundial. Outros diagnosticaram o problema não tanto em termos de liquidez mas de inadequação nos mecanismos de ajuste da balança de pagamentos no mundo atual. As inadequações eram especialmente evidentes sob o padrão de paridades fixas de câmbio do ouro quando, como nos anos 60, o centro de reservas de moeda entrou estruturalmente em défice crónico. Estes analistas procuraram “regras do jogo” melhores e mais simétricas para o ajuste relativo a países deficitários ou excedentários, normalmente incluindo mais flexibilidade na configuração das paridades cambiais, indexações baixas, e medidas semelhantes. Muitos economistas, dos quais Milton Friedman era um eloquente e persuasivo porta-voz, defendiam desde o início as taxas de câmbio flutuantes, determinadas em mercados privados sem intervenções oficiais.

No início dos anos 70, a terceira perspetiva era a mais dominante na profissão dos economistas, ainda que não entre os principais banqueiros e financeiros privados. De repetente, graças a Nixon e Connally, o nosso desejo tornou-se realidade. Ou pelo menos o mais real que se poderia razoavelmente esperar, visto que não seria de prever que os governos se abstivessem de toda a intervenção nos mercados de câmbio.

Agora, após cinco a sete anos— dependendo da maneira como se conta— de flutuações desleais surgem muitas reconsiderações. Alguns economistas partilham a nostalgia do homem de negócios pelo ouro padrão ou um seu equivalente, por uma âncora fixa para o dinheiro mundial, pela estabilidade das paridades oficiais. Outros economistas, aqueles que dão ênfase à racionalidade das expetativas e à flexibilidade de preços em todos os mercados, duvidam que faça muita diferença que as taxas de câmbio sejam fixas ou flexíveis, desde que as políticas governamentais sejam previsíveis. Claramente, as taxas flexíveis não foram a panaceia que os seus mais acérrimos defensores esperavam; os problemas monetários internacionais não desapareceram dos cabeçalhos ou da agenda de ansiedade dos bancos centrais e governos.

Eu acredito que o problema de base hoje em dia não é o regime das taxas de câmbio, quer sejam fixas ou flutuantes. O debate sobre o regime evade e obscurece o problema principal, que é a excessiva mobilidade internacional— ou melhor, inter-monetária— do capital financeiro privado. A maior novidade que aconteceu no sistema mundial monetário desde os anos 50 foi o estabelecimento da completa conversibilidade de facto entre as principais divisas, e o desenvolvimento de intermediários e mercados, nomeadamente instituições com uma moeda única europeia, para facilitar as conversões. Seja qual for o regime de taxa cambial, as transações de divisas transmitem perturbações derivadas dos mercados financeiros internacionais. As economias e governos nacionais não são capazes de se adaptarem a movimentos de fundo excessivos entre divisas estrangeiras, sem privação real e sem um sacrifico significativo dos objetivos da política económica nacional com respeito ao emprego, produção, e inflação. Nomeadamente, a mobilidade de capitais financeiros limita as diferenças viáveis entre taxas de juro nacionais, deste modo restringindo severamente a capacidade de os bancos centrais e governos seguirem políticas monetárias e fiscais apropriadas para a suas economias internas. Do mesmo modo, a especulação de taxas de câmbio, quer resulte em grandes alterações nos ativos e divisas gerais ou em movimentos elevados das próprias taxas de câmbio, tem consequências graves e frequentemente dolorosas na economia interna. As políticas nacionais são relativamente impotentes para lhes fugir ou compensá-las.

Os problemas fundamentais são estes. Os bens e o trabalho mudam, em resposta aos sinais de preço internacionais, muito mais lentamente do que os fundos líquidos. Os preços dos bens e mercados de trabalho mudam muito mais lentamente, em resposta ao excesso de oferta e procura, do que os preços dos ativos financeiros, incluindo taxas de câmbio. Estes factos da vida são essencialmente os mesmos quer as taxas de câmbio sejam flutuantes ou fixas. As dificuldades que eles criam para a economia nacional e para os decisores de políticas não podem ser evitadas optando-se por um ou outro regime de taxas de câmbio, ou por uma maior ou diferente liquidez internacional, ou adotando novas regras no jogo de equilíbrio da balança de pagamentos. Eu não digo que esses assuntos não são importantes ou que as reformas desses aspetos do sistema monetário internacional não seriam úteis. Por exemplo, ainda penso que as taxas flutuantes são um progresso relativamente ao sistema de Bretton Woods. E também não contesto que a maioria dos problemas que estamos agora a presenciar continuem a menos que se faça qualquer coisa diferente.

Existem dois caminhos a seguir. Um é em direção a uma moeda comum, uma política fiscal e monetária comum, e integração económica. O outro é em direção a uma segmentação financeira maior entre nações ou áreas monetárias, permitindo aos seus bancos centrais e governos uma maior autonomia de políticas adaptadas às suas instituições económicas específicas e objetivos. A primeira direção, apesar de ser cativante, é claramente uma opção pouco viável num futuro próximo, isto é, como no século vinte. Portanto, lamentavelmente recomendo a segunda, e a minha proposta é atirar alguma areia para as rodas dos nossos mercados monetários internacionais excessivamente eficazes.

Mas em primeiro lugar vamos prestar a devida atenção ao ideal de “um mundo único”. Dentro dos Estados Unidos, como é óbvio, o capital é extremamente móvel entre regiões, e assim tem sido ao longo de muito tempo. A sua mobilidade serviu, e continua a servir, para funções económicas importantes: mobilizar fundos de áreas afluentes em poupanças para financiar investimentos suscetíveis de desenvolver áreas com elevadas produtividades marginais de capital; financiar défices comerciais derivados de trocas regionais de população e da vantagem comparativa ou de choque económicos conjeturais ou naturais. Havendo mercados de trabalho e produtos a nível nacional, os bens e o trabalho também circulam facilmente para as áreas de grande procura, e esta mobilidade é essencialmente a solução para os problemas de depressão regional e obsolescência que inevitavelmente ocorrem. As políticas macroeconómicas regionais não são necessárias nem possíveis. Não seria possível melhorar o emprego em West Virginia ou reduzir a inflação na Califórnia, nem sequer temporariamente, alterando a paridade do dólar local com os dólares de outros Distritos da Reserva Federal. Com uma moeda comum, mercados nacionais de capital e finanças, e uma única politica monetária nacional, os movimentos de fundos que visem beneficiar da arbitragem de juros ou especular sobre a flutuação da taxa de câmbio não podem ser a causa de distúrbios ou dolorosos ajustes inter-regionais.

O relato deste cenário familiar serve para nos relembrar o quanto seria difícil replicar estes pré-requisitos a uma escala mundial. Até para os países do Mercado Comum, a meta ainda está muito distante. Não temos de resolver o argumento do ovo e da galinha. Talvez seja verdade que estabelecer uma moeda comum e uma política centrada na macroeconomia venha automaticamente a criar as instituições, os mercados, e as mobilidades que fazem o sistema exequível e as suas consequências económicas regionais toleráveis em todo o lado. Mas é um risco que poucos estão preparados para assumir. Além disso, a experiencia CEE até à data sugere que é muito difícil idealizar um cenário de evolução gradual para um regime radicalmente diferente, apesar de poder bem ser o ideal global.

Atualmente o mundo usufrui de muitos benefícios do crescimento da integração económica a nível mundial nos últimos trinta anos. Mas a integração é parcial e desequilibrada; os mercados financeiros privados, nomeadamente, conheceram uma internacionalização mais rápida e mais completa do que outras instituições politicas ou económicas. É por isso que estamos em sarilhos. Sendo assim, volto-me para a segunda, e segunda melhor, saída: forçar alguma segmentação dos mercados financeiros inter-monetários.

A minha proposta específica não é realmente nova. Eu sugeri-a em 1972 nas minhas palestras de Janeway em Princeton, publicadas em 1974 em The New Economics One Decade Older, pp. 88-92. A ideia foi recebida com orelhas moucas. Se de novo a trago à baila, é porque os acontecimentos desde a primeira tentativa fortaleceram a minha convicção de que precisamos de fazer alguma coisa nesse sentido.

A proposta é uma taxa internacionalmente uniforme em todas as conversões rápidas de uma moeda para outra, proporcional ao tamanho da transação. A taxa deveria particularmente dissuadir excursões de ida e volta para outra moeda num curto prazo financeiro. Uma taxa de 1%, por exemplo, só seria superada apenas por um diferencial de 8 pontos nos rendimentos anuais de obrigações do Tesouro ou depósitos da moeda europeia denominada em dólares e marcos. O diferencial correspondente para prazos de resgate de um ano seria de 2 pontos. Um investimento permanente noutro país ou numa área monetária diferente, com uma repatriação regular dos rendimentos obtidos, teria de ter uma vantagem de 2% na eficácia marginal sobre o investimento interno. O impacto da taxa seria menor para mudanças de moeda permanentes, ou para maturidades maiores. Devido aos riscos de transações, aos riscos de valor de capital, e às imperfeições do mercado, a arbitragem dos juros e a especulação sobre transações apresentam menos problemas nas maturidades a longo prazo. Além disso, é desejável obstruir o menos possível os movimentos internacionais de capitais dependentes de preferências em carteira e oportunidades de lucro a longo prazo.

Porque é que as taxas de câmbio flutuantes não resolvem os problemas? Há várias razões, todas ilustradas pela experiência recente.

Em primeiro lugar, como os economistas sabem há muito, num mundo de mobilidade internacional do capital, a flexibilidade das taxas de câmbio não garante a autonomia das políticas macroeconómicas nacionais. Os modelos de Mundell-Fleming do início dos anos 60 mostraram como a mobilidade de capital inibe a política monetária interna sujeita a paridades fixas e a política fiscal interna sujeita a taxas flexíveis.

Além disso, a disponibilidade dos restantes instrumentos de políticas macroeconómicas em qualquer dos regimes é um fraco consolo. Os países enfrentam, não raro, grandes constrangimentos internos, a nível político, económico e institucional relativamente a um ou outro instrumento ou a pacotes de medidas.

Em segundo lugar, poderá parecer que devemos saudar um regime de taxas de câmbio que aumente a potência da política monetária relativamente às políticas fiscais; afinal, a política monetária é o instrumento de estabilização interna mais flexível e passível de adaptação. No entanto, a liberalização da política monetária interna sujeita a taxas flexíveis é deveras ilusória. Uma das razões é a orientação dos banqueiros centrais para alvos monetaristas, independentemente dos regimes de taxas de câmbio e da abertura dos mercados financeiros. E sobretudo, a política monetária, quando sujeita a taxas flutuantes, torna-se uma política de taxas de câmbio.

O estímulo para a procura interna de uma política de expansão monetária é limitado pela competição das taxas de juro externas para os fundos mobiliários. Assim, no limite, todos os estímulos dependem da depreciação cambial e dos seus efeitos na balança comercial, nomeadamente nas alterações da procura interna e externa de bens e serviços nacionais. A depreciação pode, com certeza, ocorrer, mas os seus efeitos na balança comercial podem ser desastrosos a muito curto prazo, durante o qual acontece mais depreciação incentivada pela especulação. Entretanto, os efeitos da depreciação nos preços em moeda interna de bens transacionados internacionalmente são inflacionários, mesmo para uma economia com recursos ociosos e sem fontes internas de pressão inflacionária.

Além disso, a nível internacional, acrescem as dificuldades de dependência de uma política monetária em regime de taxas flutuantes. Cito da minha palestra de 1972: “Quando a balança de exportações-importações se torna no componente estratégico da procura agregada, o estímulo expansionista de um país implica o choque deflacionário de outro. Dificilmente se imagina que o Mercado Comum permita de forma passiva que os EUA manipulem a taxa de câmbio do dólar com vista à sua estabilização interna. Nem conseguimos imaginar o contrário. A coordenação internacional de políticas de taxas de juro será essencial num regime de taxas de câmbio flutuantes, e não menos do que num regime de paridades fixas.” Os conflitos entre Washington e Bona sobre estas questões no ano passado correspondem precisamente ao que então me preocupava.

Em terceiro lugar, os governos não são e não podem ser indiferentes às alterações no valor das suas moedas nos mercados de câmbio, tal como não poderiam ignorar as alterações nas suas reservas internacionais sob o regime de paridades fixas. As razões para as suas preocupações não são só macroeconómicas, incluem todos os impactos, seja na indústria interna seja nos setores competitivos de exportações e importações, que decorrem das flutuações das taxas de câmbio derivadas de transações financeiras e de capital. As intervenções não coordenadas que tornam as flutuações um negócio de risco são os mecanismos naturais de defesa do governo contra os choques transmitidos às suas economias pelos mercados externos de câmbio.

Em quarto lugar, outra esperança otimista negada pelos acontecimentos era a crença de que as taxas flutuantes isolariam as economias dos choques da procura de exportações e importações. O mesmo modelo de Mundell-Fleming que nos mostrou a impotência relativa dos choques de políticas fiscais e da procura não monetária sob taxas flutuantes implicava também que os choques da balança comercial seriam completamente absorvidos em taxas de câmbio sem ajustamento da produção interna ou dos preços. Este não será, claramente, o caso, se a balança comercial se movimentar em sentido contrário (anti- Marshall- Lerner), ou se, por qualquer das razões compreensíveis anteriormente referidas, os governos intervierem para prevenir o ajustamento total das taxas de câmbio. Não será, de todo, o caso se os movimentos das taxas de câmbio tiverem consequências na procura e oferta de bens, como terão, seja através dos ganhos ou perdas de capital que causam aos agentes com posições curtas ou longas em moeda estrangeira ou através das expetativas que venham a gerar de futuros movimentos das taxas de câmbio.

O recente declínio do dólar contra o marco alemão, o iene e o franco suíço ilustra muitos dos pontos acima. Os EUA por um lado, e o Japão e a Alemanha por outro, têm claramente histórias, perspetivas e objetivos divergentes em termos de crescimento da produção e da inflação. As alterações das taxas de câmbio de divisas não serviram, contrariamente ao que terão esperado alguns dos defensores das taxas flexíveis, para permitir a estes países a continuação das suas políticas divergentes sem interferência mútua. Os alemães e os japoneses têm resistido a aceitar os efeitos da valorização monetária nas suas indústrias de exportação e intervieram para limitar essa valorização. Os norte-americanos, preocupados com os efeitos da desvalorização nos índices de preços, foram firmes na sua política monetária e subiram as taxas de juro numa tentativa de conter a maré anti-dólar nos mercados de câmbio estrangeiros.

Este historial apoia a asserção que fiz anteriormente: que a “arbitragem” de bens é muito lenta em comparação com a especulação financeira entre moedas e as mudanças de carteira. O resultado líquido dos movimentos das taxas de câmbio e dos preços internos tem sido, nos últimos anos, o de melhorar drasticamente a posição competitiva dos EUA em relação à Alemanha e ao Japão.

Isto é verdadeiro quando os índices vigentes de preços por grosso, convertidos numa só moeda, são comparados com as taxas de câmbio. A nossa taxa de câmbio efetiva ponderada é de 5% abaixo da de 1977 e da de março de 1973 e mais de 7% abaixo da de 1976. A da Alemanha é de 7% acima da de 1973, no entanto ainda abaixo da de 1976 e da de 1977. A do Japão é de 3% acima da de 1973, 7% acima da de 1976 e 2% acima da de 1977. A diferença é ainda mais impressionante quando os custos de trabalho são comparados de forma semelhante. Em 1970 os custos horários do trabalho nos EUA, incluindo as regalias adicionais, eram os mais altos no mundo, 67% acima dos da Alemanha, 300% acima dos do Japão. Em 1977 cinco países tinham custos mais altos às taxas de câmbio vigentes em dezembro. Os nossos custos estavam 16% abaixo dos custos da Alemanha, e agora estão só 55% acima dos custos do Japão.1 Os EUA são hoje em dia um país de baixos salários! No entanto, estamos a sofrer dos piores défices comerciais da história.

Não quero que me interpretem mal. Penso que a histeria provocada pelo recente declínio do dólar é grandemente exagerada, e que o pânico e a pressão exercidos sobre os nossos governantes pelos media, pelos governos europeus e por círculos financeiros, locais e estrangeiros, é ainda mais injustificada. Além disso, se alguém pensa que o sistema pré-1971 com taxas indexadas teria lidado melhor com a recente fuga dos dólares a favor dos marcos, iées e francos suíços, tem uma memória muito curta. As coisas seriam muito piores para os EUA, com maior impacto nas suas políticas nacionais e grandes ruturas nos mercados internacionais. A minha mensagem não é, torno a sublinhar, que a flutuação é o regime pior. Antes, que a flutuação não resolve satisfatoriamente todos os problemas. Uma das grandes razões é que os mercados de câmbio estrangeiros estão inevitavelmente à deriva, sem âncora. O que temos é um conjunto altamente eficiente de mercados financeiros em que se trocam diversas obrigações, principalmente a curto prazo, expressas em diferentes moedas. Utilizo a palavra ‘eficiente’ apenas num sentido mecânico: os custos de transação são baixos, as comunicações são rápidas, os preços são instantaneamente mantidos na linha por todo o mundo, o crédito permite aos participantes tomar uma longa ou curta posição por vontade ou por capricho. É muito duvidoso se o mercado é, ou não, ‘eficiente’ num profundo sentido económico-informacional. Nestes mercados, tal como noutros mercados para instrumentos financeiros, a especulação sobre preços futuros é a principal preocupação dos participantes. No mundo ideal de expetativas racionais, a personificação antropomórfica de um ‘mercado’ deveria basear as suas expetativas em estimativas informadas de taxas de câmbio equilibradas. A especulação seria o motor que move as taxas reais para um conjunto de equilíbrio. Na verdade, ninguém tem boas bases para estimar o equilíbrio da paridade dólar-marco para 1980-1985, relacionando com essa estimativa as taxas atuais. Esta paridade depende de uma série de imponderáveis – não apenas relativos ao caminho futuro das duas economias e do resto do mundo, mas às futuras preferências das carteiras dos donos da riqueza do mundo, incluindo árabes e iranianos tanto como americanos e alemães. Os economistas e os negociantes sensatos, já para não falar nos membros irracionais de ambas as espécies, podem ter, e têm, pontos de vista divergentes. Na ausência de qualquer consenso fundamental, os mercados são dominados – tal como os mercados do ouro, das pinturas raras, e … sim, frequentemente os dos patrimónios líquidos – por negociantes que se metem a apostar o que outros negociantes vão pensar. De um ponto de vista técnico, sabemos que o equilíbrio de expetativas racionais num mercado deste tipo é um ponto crítico. Isto é, há apenas um caminho que vai do desequilíbrio ao equilíbrio. Se os mercados não estiverem nesse caminho, e se não derem um salto de onde quer que estejam, podem seguir vários caminhos que os levam para longe do equilíbrio – caminhos pelos quais, no entanto, se cumprem medianamente as expetativas. Esses caminhos desviantes são inócuos nos mercados (como os de moedas raras, metais preciosos, cromos de basebol, francos Suíços) paralelos ao verdadeiro circo económico. Mas estão longe de serem inócuos em mercados cambiais, cujos preços têm grande consequência económica.

Isto sugere que os governos podem contribuir para a eficiência dos mercados de câmbio calculando e disseminando eles próprios as estimativas do equilíbrio das taxas de câmbio, taxas previstas para o futuro. A flutuação do dólar canadiano na década de 1950 foi provavelmente uma situação empírica de importância intelectual considerável para sedimentar a aceitação dos economistas do caso teórico das taxas flexíveis. As taxas flutuantes tinham ganho uma má reputação, certa ou erradamente, no período entre guerras. A experiência canadiana parecia indicar que a especulação de mercados estava a estabilizar; o certo é que não se verificavam oscilações que perturbassem grandemente a relação económica Canadá-EUA ou qualquer uma das economias. Uma razão, entre outras, parece ter sido a crença geral num equilíbrio a longo prazo não muito distante da paridade dólar-dólar, um equilíbrio que estava em sintonia quer com as estruturas interligadas das duas economias quer com as intenções políticas do governo canadiano. Os que, a partir deste modelo, extrapolaram a flutuação a nível mundial da década de 1970 desiludiram-se. É difícil de conceber que vários países da OCDE pudessem individualmente projetar, muito menos concertar um sistema de equilíbrio ou metas de taxas de câmbio para 1980 ou 1985, e muito menos convencer com isso os mercados céticos. Por isso, eu continuo cético de que os sinais de preços dados por estes mercados sem âncoras sejam sinais que guiem as economias para a sua verdadeira vantagem comparativa, essencial para a sua eficaz alocação internacional, ou que levem os governos a corrigir as políticas macroecónomicas.

É por isto que penso que precisamos de atirar alguma areia para as rodas bem lubrificadas. Provavelmente houve quem esperasse que a voracidade da flutuação das taxas fizesse isso automaticamente; dadas as limitações dos mercados de futuros, os riscos sem cobertura podiam permitir benesses entre as taxas de juros nacionais e a diversificação da moeda podia limitar os movimentos de fundos entre moedas. Em 1972, na incursão que fiz sobre este assunto, manifestei-me cético neste ponto, e os acontecimentos têm vindo a justificar esse ceticismo. Disse eu: “aumentar o risco cambial pode ser benéfico, mas creio que não devemos esperar muito disso. Muitos dos participantes de mercados de dinheiro a curto prazo podem dar-se ao luxo de encarar descontraidamente o risco cambial. Podem ambicionar a melhor taxa de juros disponível, tendo em conta a estimativa média de ganhos ou perdas de câmbio. As empresas multinacionais podem, por exemplo, diversificar ao longo do tempo. Estarão continuamente presentes nos mercados de câmbio: não há moeda que não lhes seja possível usar.”

Voltando à minha proposta de taxa, e apresentando apenas mais alguns detalhes, seria uma taxa uniforme acordada a nível internacional, administrada por cada governo sob a sua jurisdição. A Grã-Bretanha, por exemplo, seria responsável por taxar todas as transações entre moedas nos bancos de moeda europeia e corretores situados em Londres, mesmo que as transações não fossem em libras. As receitas da taxa podiam ser legalmente pagas ao FMI ou ao Banco Mundial. A taxa seria aplicada a todas as aquisições de instrumentos financeiros denominados em moeda estrangeira – desde divisas e valor-moeda a títulos de capital. Teria de ser aplicada, penso eu, em todos os pagamentos em determinada divisa, de bens, serviços e ativos reais vendidos por um residente de outra área monetária. Não pretendo acrescentar a mais pequena barreira ao comércio. Mas não vejo de repente outra maneira de prevenir transações financeiras disfarçadas de comércio.

Talvez os países pudessem, mediante a autorização do FMI, formar áreas monetárias nas quais não se aplica a taxa. Presumivelmente, os membros menores da CEE e os PMD que pretendessem associar a sua moeda a uma moeda-chave desejariam fazê-lo. O objetivoobjectivo é moderar as oscilações nas principais taxas de câmbio, e não quebrar ligações entre economias intimamente relacionadas. Sem dúvida, existiriam dificuldades de administração e aplicação. Sem dúvida, existiriam padrões engenhosos de fuga. Mas uma vez que também isto não será isento de custos, o objetivo principal do plano não se perde. Pelo menos, as instalações bancárias, que tanta responsabilidade têm na atual perfeição duvidosa destes mercados, seriam tributadas, tal como as empresas multinacionais. Estou ciente das distorções e dos custos de alocação que se podem atribuir às tarifas, incluindo as tarifas sobre as importações de bens em moeda estrangeira. Não nego a sua existência. Digo apenas que são pequenas comparadas com os custos macroecónomicos mundiais do presente sistema. A esses custos, creio eu, acrescerão encargos muito mais prejudiciais de medidas protecionistas e autárquicas no intuito de proteger as economias, ou pelo menos os seus setores politicamente favorecidos, das consequências de choques financeiros internacionais.

Eu não quero reivindicar demais para a minha modesta proposta. Poderá, penso eu, devolver às economias nacionais e aos governos alguma fração da breve autonomia de que gozaram antes da conversão da moeda se ter tornado tão fácil. Não vai, ou não deve, permitir que os governos criem políticas internas, sem atenderem às consequências externas. Por conseguinte, não libertará os principais governos da necessidade imperativa de coordenarem as políticas de uma forma mais eficaz. Em conjunto, os principais governos e os bancos centrais estão a criar políticas fiscais e monetárias para o mundo, independentemente de reconhecerem explicitamente esse facto. Recentemente, ficou bastante claro, pelas diferenças e mal-entendidos entre os tão aclamados três motores, que estes não têm concertado as suas políticas com muito sucesso. Espera-se que, aliviando a necessidade de sincronia a fim de evitar grandes flutuações da taxa de câmbio, estes governos possam abordar a tarefa de coordenação de políticas com uma visão mais global e mais presciente das suas responsabilidades.

1 Por estes cálculos realizados no Institut der Deutschen Wirtschaft, Köln, estou em dívida para com o Professor Herbert Giersch

 

Tradução de Ana Filipa Salgueiro, Ana Rita Patrício e Miguel Romão